A N T E S
DA C H U V A
... acontecendo aqui, direi
que as nuvens arranham o céu, como gatos rasgam minha mão, como caminhões furam
o pôr do sol na estrada, como meninos que cortam ilusões de meninas;
acontecendo agora, direi que as cores escuras do céu me assustam, como o grito
gemido da gata na transa noturna, como a lua que não se vê porque é nova e se
oculta, como os suspiros da menina ferida no peito pela dúvida, como os ruídos
retumbantes de caminhões na tempestade.
E, acontecido, direi que a lua não
existe, os meninos morreram, as nuvens se dividem pra não chorar, que o sol se
pôs há tempos, os gatos fugiram da tempestade, os caminhões não passam aqui,
direi ainda que as cores são ilusões, os gritos cessaram, que a menina sou eu,
e minha mão já não sangra, meu peito resmunga, os suspiros já foram meus, o
tempo passou e minha pele estica mais do que meus sonhos; meus ossos tremem no
frio, no calor, nas lembranças, nos vazios do esquecimento...
e direi tudo: que minha
imagem não se vê mais na superfície do lago, e sim no fundo, e o lago espera
que eu logo pule e recupere minha imagem;
mas isso é suicídio, é narciso...
e na verdade, o tempo não passou, eu
corri, e voltei para a gema, pois eu quero me sentir viva novamente ou pela
primeira vez. Quero fazer uma viagem pelas cores do céu antes que escureça, ou
talvez, deixar o último cigarro queimar sozinho, e ver a fumaça vagando em
formas ovais pelos ares afora, quem sabe eu possa sorrir como se fosse a
primeira vez, ou gemer de amor numa transa noturna, iluminada pelos faróis dos
caminhões, e sentir rasgando as costas e os lençóis pelo meu gato, em plena lua nova, até
nascer um milhão de sóis...
eu quero berrar um bilhão de vezes, até sumir a minha
voz...
muito bom
ResponderExcluirNa