1997
Vários tipos. Todos os
rostos em cinco, seis, vinte minutos. Nenhum, ninguém, em especial. Talvez
aquela agora de costas. Mas as costas enganam. Apesar das curvas infinitas que
começam desde o lóbulo de sua orelha até o calcanhar, apesar de ter belas
costas, na verdade, sinceramente, reparando melhor agora, ela, pelo menos por
trás, é algo assim espetacular. Eu vejo a montanha russa de sua bunda apontando
numa curva democrática em minha direção. No topo daqueles Andes vejo o início
das coxas, soltas, livres ao ar, nascerem fortes e torrenciais, torrenciando; e
cada pedaço extra de músculo dizendo qual seu esporte.
Como eu posso me
apaixonar por uma mulher que está de costas? Quero vê-la. Preciso vê-la.
virou... Virou-se...! E... não é possível! Como pode corresponder tamanha
sedução pelas costas... e outra maior ainda de frente? Pela frente. Em frente.
Fui. Tinha de beijá-la. Por quê? Beijar. É beleza que me arde, numa ardência
melindrosa. Quando se queima a língua, temos que abrir e fechar a boca, num
processo de assopro até que venha a água. Pois. Estou ardido pela beleza
lindeza artística que nem Rodin ou Michelângelo, que só amante vê, amando
loucamente... (e amor não é cego, o amor vê tudo, sabe tudo, a gente é que
cega, e escolhe o que não quer ver).
Por isso eu tinha de
beijá-la. Porque era impulso, era forte, era necessário tocar naquela beleza...
esse desejo faz parecer natural pedir-lhe um beijo... mas é simples, é claro.
Que louco, diria, mas que diga. Eu não era louco. É só um beijo. Uma válvula de
escape. Irresistível? Quando eu pensei nesta última frase, já me vi diante das
costas dela. Novamente ela de costas.
- Oi, por favor
Virou-se pra mim e fez
“”ahn?”. Cara de “hein?”
-
Será que...
Como explicarei a ela
que o beijo na verdade é um elogio.
-
...eu poderia pedir um favor?
Favor? Que horrível!
Não era favor. Era uma licença. Licença pra elogiar. Só isso.
- Depende
Claro, depende!...
-
Eu queria que você me deixasse te dar um beijo
- O quê?!!!
(...)
Eu fui pra descansar,
mas volto cansada. É uma canseira diferente, lógico. E fico mais cansada ainda
quando penso em tudo o que vai começar de novo. Os pais, meu irmão, o
Marcelo... ninguém vai me deixar em paz. Pronto, era o que eu precisava, ficar
de mal-humor. Saio pra ficar bem e volto assim. Mas é só pensar... quando esse
ônibus estacionar na rodoviária, eu vou descer, afobada, correr ao telefone,
ligar pra me pegarem, aí vão dizer oi, tudo bem, gostou das festas de fim de
ano? e a praia? arrumou muitos caras?
E ainda vão me
perguntar se esqueci o Marcelo. Que raio de Marcelo! Voltar é sempre um saco.
Pronto, cheguei. Desço logo, afobada, com as mochilas, corro pro telefone.
Ponho o cartão e ligo. Ninguém em casa? Mas que droga! O que que eu faço? Tento
mais uma, duas, três vezes. Fico preocupada. Instintivamente olho pros lados
como que procurando ajuda. Eu tinha que ver alguém, achar alguém nessa
rodoviária. Não vejo ninguém. Só um cara me olhando, um cara com um chapéu
bonito. Mas eu não conheço ele. Vou ter que ligar pro Marcelo. Liguei. Ele
atendeu. Perguntei se ele não sabia dos meus pais, ele falou que não tinha
certeza mas eles só chegariam à noite. Falei um palavrão. Aí ele disse que me
levava em casa.
- Tudo bem, tô te
esperando
Desliguei. Droga,
droga,começo bem o ano. eu só queria um pouco de... que me... sei lá. Tocaram
no meu ombro. Não podia ser um conhecido. Será que minhas preces foram ouvidas?
Ou já era o Marcelo?
- Ahn? – falei, mas
devo ter feito cara de hein!
- Oi, por favor – ele tinha
dito – Será que... eu poderia pedir um favor?
Era o rapaz do chapéu.
Tem cara de músico, com esse cabelo comprido, o óculos, um jeitão engraçado.
Rosto simpático. O que que ele falou? Pedir um favor?
- Depende – falei
- Eu queria que você me
deixasse te dar um beijo
- O quê??!!
(...)
continua...
muito massa
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