sábado, 30 de junho de 2012

porque os tímidos viram poetas


A solidão começou a fazer mais sentido pra mim quando te conheci. Antes não me incomodava, ao contrário, a solidão era um conforto, uma estrada. Nela eu seguia feliz, na ignorância feliz de não saber o que não era solidão. Você estancou, fechou meus caminhos, destemperou-me das direções. Foi simples. Quando te vi entendi o que era solidão. E decidi. Não queria ser assim. Dentro de mim, o que era feto virou pesadelo. Revirava-se em mim uma angústia sem fim, circulando pelas noites, fingindo ser uma dor ou várias dores. 
Uma angústia que sabia doer sem matar, e quando eu percebia, já tinha passado, já era dia. Toda descoberta é um prazer e um sofrimento. Aprender é um prazer, mas o prazer nem sempre é suave como um beijo. Um beijo também dói. Principalmente quando percebemos que nunca mais haverá o beijo. Nunca mais eu seria o mesmo. Nunca. Você me consertou estragando, um desarranjo fiquei. A solidão começou a fazer sentido, e a ter existência, quando te vi. Porque sem você sinto falta de tudo. 
Sentir falta da água doce depois de bebê-la. 
O engraçado é que você não sabe nada disso, nem desconfia. Talvez você nem tenha me visto. Mais engraçado que isso? Eu te vi apenas três vezes. Tudo bem. Pode rir. Prometo tentar uma risada. Estou tentando rir. Sim, estou. Logo, logo eu começo a rir... é só esperar... paciência...

domingo, 24 de junho de 2012

lia


faria em versos
seus medos e segredos 
rimaria uma história
e retiraria do final toda agonia

as letras se comporiam em sonatas
em tercetos, em bravatas
em sustenidos ou sonetos
você entenderia que o temor de amar
é pura mania de evitar que a alegria
corra o risco de arriscar ser

deste teu olhar tão curioso
alguém recitaria os abraços que eu te daria
mas cauteloso 
eu rimaria o teu nome 
com tudo o que se amaria
de quem amasse de verdade

se pudesse amar muito mais do que podia
seríamos a tatuagem na areia
porque tudo em volta dessa praia que ardia
era chuva e lama: 
além da ventania do teu olhar risonho
além do nada o horizonte bradava

a tempestade dos teus versos 
feito gestos caricatos
aparatos da delicadeza
é a forma da natureza
que assim dissiparia o silêncio 
de quem você um dia leria

enquanto a noite não vem
teus olhos eu lia

Imprudência


o barulho do mar não me incomoda
porque não é barulho
é melodia
cuja simplicidade
provoca escândalo
aos ouvidos dos ignorantes

o som do mar
é um sopro suave
um som-barulho
em que nele mergulho
sem medo
sem respirar
sem nadar
sem nada que me pare
só a felicidade de ouvi-lo

sábado, 23 de junho de 2012

em chamas



há calma nas palavras doces
há fúria nas amargas fugas
há sal demais no suor insano

há mais vulcões ativos
do que corações em paz 

engano clássico:
é o espírito quem busca paz.
O coração quer a própria lava
escorrendo leve
e queimando sem dó

o coração pulsa, vibra em brasa
o espírito relaxa em brisa
e o ser humano goza em culpas

sexta-feira, 22 de junho de 2012

os dias são


os dias são feitos de dor. são feitos de chuva. suor. 
são. 
os dias são feitos de histórias irreais cotidianas, desmemórias, carinhos. 
estão. 
os dias são feitos de sangue injusto, puro, inocente. são feitos de cortes e beijos. são desejos bem fortes: disparos sem direção. 
os dias teus são feitos de dias teus. 
são musicais os dias. 
ansiosos e cheios de tensão. enluarados os dias são. 
têm, e são, vivos. voam no alvo certo. os dias são feitos de pedras sob o mar. pessoas sobre o mar. poesia. carência, teoria, dúvida. fugas. 
inocência. 
os dias são feitos, nunca desfeitos. acontecem: como em todos os dias. 
às vezes os dias são feitos de material virtual, uma ilusão diária tão necessária como saber que sempre sempre sempre os dias serão alheios à nossa vontade.

a história de um beijo


um beijo não é lindo
se não for dado
um beijo nunca é lindo
se nunca for dado
um beijo

porque quando te beijo
(em meus sonhos)
me lembro
daquele menino
tão lindo e tão menino. -
A sensação de alegria
era a mesma.


Mas um dia te beijarei
num beijo molhado
de criança inocente
mas sem inocência
o peito calado
e a carência da gente

há poesia em cada um de nós


uma poesia fina e adocicada
nem um pouco parecida com gim tônica
uma concresia estranha amalucada
reveladora dos mais insuspeitos travessões

a visão, os dedos, da mão
uma poesia franca 
sem ser daquelas em se que arranca um beijo desejado,
à força, mas conquistado, 
por excelência interessantemente adverbial, coloquial
nada compacto, firme, como a noite asfáltica
de sonhos invertidos, de puras e escuras histórias,
tão obscuras vidas noturnas

porque me deito numa cadeira 
para escrever a poesia...
Numa tentativa de ser dia,
porém, mas, contudo, 
me buscar poeta revela uma falsa idéia de profeta
e uma amargura sincera de ser tão urbano, tão provinciano...

quanto vale  um poema?
um sorriso, uma conquista, um brado retumbante...
ou minha sessão de análise gratuita?
eu queria ser fotógrafo
mas o que eu vejo tem forma de palavras e sonhos

pra que serve a poesia
(não é uma pergunta)

SÓ EXISTE


saudade só existe em sua língua
só existe numa noite solitária
quando o tempo não se conta
só existe se a sombra te encontra

No seu ombro só existe a saudade
se a gente se encosta na parede
e sente frio e sente 
o frio e sente frio
o frio congelando e torturando
se a gente se encosta se revela
quando
triste
tristeza não diz
sorri
num sorriso que dói
a dor é matriz
percebi:
saudade só existe aqui

quarta-feira, 20 de junho de 2012

3 – o encontro no bonde (do meu conto Pátria Amada - parte 1 - A Rosa)

((se quiserem comprar meu livro de contos, cliquem aqui, e descubram como fazê-lo... só 2,99))
(...)
Depois do enterro, resolvi passear de bonde. Dei muitas voltas na cidade, de norte a sul, no centro... Os meus tios queriam internar minha mãe, por um tempo, no hospital psiquiátrico Pedro II, no bairro do Engenho de Dentro. Principalmente minha tia Maria de Lourdes, que não via com bons olhos a idéia de ficar cuidando de minha mãe. Ela até já arrumara outro lugar pra morar, com uma sobrinha que acabara de casar com um advogado e se mudara pro Leme. Eu sabia que teria de trabalhar o dobro do que trabalhava pra nos sustentar – a mim e a minha mãe - porque eu seria o único a nos sustentar e não teria como tomar conta dela. Então não relutei sobre a idéia de mamãe ser internada. Mas sairei do Méier. Vou pra Engenho de Dentro. Pra ficar mais perto de mamãe, e porque apareceu um emprego bom nas oficinas de manutenção da rede ferroviária federal. Continuarei fazendo trabalho de mecânico de carros, mas sairei da oficina do Mestre e só farei trabalhos avulsos, por encomenda. Como nos fins de semana eu já freqüento as rodas de chorinho do mestre Pixinguinha, lá no Engenho, então ficarei por lá mesmo. A única coisa que me trazia felicidade era ouvir a música Rosa. Por isso eu só era feliz nos fins de semana. Mas eu tive um momento feliz fora das rodas. E graças a uma daquelas coincidências inenarráveis. Quando já me sentia cansado de passear de bonde, depois do enterro do meu irmão Mário, resolvi voltar pra casa. Eu estava no centro do Rio - garoenta naquele fatídico dia 21 de abril. Aí, sentei-me ao lado de uma moça incrível.
- Com licença, senhora, posso sentar-me – falei sem olhar no rosto da mulher, tal absorto estava eu em meus pensamentos melancólicos.
- Claro, moço, mas, por favor, não sou senhora, sou muito nova ainda para carregar este fardo.
- E porque seria um fardo ser uma senhora, minha donzela? – retruquei, espantosamente brincalhão.
- Agradeço o donzela, embora tenha percebido a pilhéria, mas como sei que sou donzela, não treplicarei. Sobre o fardo, é simples. As senhoras são senhoras por serem casadas, e se eu me parecer com uma senhora casada então é melhor me jogar na Lagoa Rodrigo de Freitas.
Que espirituosa !! Eu não podia ver-lhe o rosto, porque estava encoberto por um véu.
- Creio que este véu me confundiu, senhorita.
- Não duvido. Minha mãe insiste que eu o use mesmo depois de sairmos da Igreja.
- Onde está sua mãe?
- Em casa. Eu vim ao confessionário falar com o padre Marques, amigo da família. Minha mãe confia em mim pra andar sozinha. Eu já o fazia para ir à escola.
- Compreendo. Qual sua idade?
- O moço é indiscreto, mas gosto de gente direta. Tenho quinze incompletos. Meu aniversário será no dia dezenove de maio.
- Oh, mês que vem !... E se eu lhe dissesse que faço dezessete no dia seguinte ao seu.
- Eu responderia que é uma coincidência das mais incríveis.
- Pois é a mais pura verdade.
- Acredito. Vê-se que é honesto porque diz tudo olhando nos olhos.
- Acho que mereço uma recompensa por isso, não acha?
- E por quê? O senhor não tem espírito altruísta? Precisa sempre de uma recompensa para fazer algo?
- Não me entenda mal. Como disse, eu gosto de olhar nos olhos, mas isso é algo que não posso fazer com a senhorita por culpa do véu. Assim, o elogio que me acaba de fazer perde o sentido se a senhorita continuar com o véu encobrindo o rosto.
- Tem razão. Está perdoado. Normalmente não o uso, mas desde que meu pai morreu, mamãe tornou-se religiosa ao extremo... Oh, preciso descer. Condutor, diga ao motorneiro que espere, estou descendo.
- Moça, moça, e o véu? – gritei ansioso
E ela, já na calçada, levantou o véu, e pude ver o sorriso mais angelical, puro e vivo do mundo. Uns olhos intensos, brilhantes. Era ela. Minha musa. Mais velha, mais linda, mais...
- Qual seu nooommee???
O último som das coincidências:
- Meu nome é Rosa.
Claro, e por que não seria...    

segunda-feira, 18 de junho de 2012

P A R A L I S I A


era um corpo estendido no chão
entre a calçada e a rua
era um corpo tremendo no chão

olhavam-passavam
paravam? não

Era uma boca espumando no chão
Epilepsia

Todo dia um sorriso em vão
Quem diria

Era a verdade estampada nas esquinas ou não

entre a lua e o prédio
na chuva no latido do cão - quem seria

Era meu rosto tremendo em choque
era a moça dos olhos castanhos
(cheia de não-me-toques)

era um homem novo de velho de novo
Sozinho (na companhia de olhos dos outros)

dos olhos veem sua própria fantasia
mas ninguém-ninguém parava (e sorria)

Era pobre esse corpo no chão
Era sujo de vida e era velho capacho nas vias da vida

Era lixo estendido no chão... e quase morria
O que pensavam os olhos-passantes?

Corriam... os olhos corriam

((de ligia kamada e fábio de amorim))

domingo, 17 de junho de 2012

aroma


Existe o medo. Ponto.
E de fato
é um perfume.
Esse odor é uma sombra
sobre meus pensamentos
Pavor de não pensar.
Horror de pensar demais.
Receio de sair do ponto.
O medo,
assim como o perfume,
dele pouco se esquece.
Quando se abrem os olhos,
quando a retina calejada amanhece,
o medo está ali,
como um sopro da memória,
um beliscão no espírito.
... Ou o seu beijo
perdido no perfume da noite


sábado, 16 de junho de 2012

diário dos xingamentos parte 1


- oi, fio do milho! vai-te daqui, que eu num quero essas galinha no meu roçado
- quê !! fio-do-mio é o cão que te pôs no mundo. tua mãe é que andou ciscando pros lado de cá. e eu num me surpreendo se dessas muié aqui metade fô a cara da tua
- cão danado! eu num vô criá galinha pra dá pinto pra ninguém!
- quem é galinha aqui? ocês dois num passa de meio pinto pelado e molhado. nós somo tudo de família
- pode ter certeza. a família docês saiu da mesma chocadeira.
- ói, tu num sabe que tá enfiando a mão em buraco de tatu, seu moço? nós som’ulher mas sabemo usá o ferro.
- pode apontar no peito queu tô me cagando. quando cês tavam tudo crescendo as tetas, eu já me servia do leite das mães de ocês
- e eu também
- home é tudo igual. inda agorinha cês tavam pelejando, mas bastô vê um amontoado de mulhé pra se achar do mesmo lado.
- cês tão falando de mulhé, ou desses bicho feio dos inferno que são ocês?
- é verdade. aquela é zambeta que só. a outra tem os peito murchinho que parece dois prego. a Xandô tem um bafo de lascá que inté os urubu tem medo de perto chegar. e afora o resto docês, com cara de preá.
- bem falado, Ismalino.
- pois olha a resposta... tu, baixinho, buchudo, perna torta, só Deus pra explicar como cê fica em pé. e tu, Ismalino, andando parece um sapo. e falando é um bode. os dois chifrudos gostam memo é de mamar no boi. e essa barriga de Jovino é de prenha, só não se sabe quem é o pai: ainda farta pesquisá na região pra lá do rio.
- bem falado, Xandô!!
- e tem mais. Ismalino quando caga num precisa nem sentar. o buraco é tão aberto que só de pensar a bosta já tá saindo.
- vixe, Ismalino. acho que nóis tamo sem dita.
- tem problema, não, Jovino. essas fia-do-cão vão tê o troco. simbora, mulherada, sai do meu roçado. avia, avia!!!
- vamo em hora boa. inté pra quem fica.
- vai, seus bicho dos inferno. ô, raça! Deus criou as mulhé pra embuchar, falar mais que a boca e virar a cabeça dos home.
- e num é...

gatos que voam, parte 1


o tempo escorre doce dos teus olhos
o tempo exala um aroma triste
do meu sorriso

ele que atua
em teu sorriso de lua:
é vida relida...
é noite perdida onde flutua teu beijo
 e lá, eu vejo: noite encontrada.

que ela se esconda
em ondas de rimas fáceis

é tempo de dizer adeus
mas não sei o tamanho desta história
não sei o fim de coisa nenhuma

sempre há um dedo
que desata os nós
e que nos desfaz a nós...

e eu estou desfeito



sexta-feira, 15 de junho de 2012

memória dos sentidos



Às vezes gente é música. Você gosta de cara ou leva tempo. Assim que você ouve, você gosta. Mas depois pode cansar. Você enjoa. Gente é que nem música. Você detesta de cara, porque é estranho, extravagante, exótico. Detesta de cara. Mas dali a pouco, na convivência, aprendendo a escutar, está lá, já instalado em seu peito. Na eterna memória dos sentidos.
Tem música que antes era ótima, e agora não te interessa. Você mudou, e a música, aquela, não te preenche, não te esvazia, não te nada-coisa-alguma. Ela foi uma fase de uma fase sua que você nem vive mais. Gente é que nem música. Quando faz muito tempo, a gente precisa ouvir de novo. Talvez não precise. Talvez saudade presa na melodia de uma cena, o ritmo incessante de um capítulo, istmo de quem cante um título, alguém lívido, de lembranças harmônicas, o som de gritos de metais, ou de abraços de adeus fechados na última tônica, um refrão mal falado, cordas quebradas, letras esquecidas cantadas pelo meio, as curvas de um violão, o som saxofônico, pianíssimo...
porque gente é que nem música. Mas gente não é música. 
Talvez seja a saudade presa na melodia de uma cena.

E S P E R E



Antes que o tempo se levante e nos cubra de poeira, ou antes que a pausa da vírgula vire ponto final; antes que você se esqueça e vá embora e não me veja mais, eu vou dizer o que penso.
Antes que você pense ou sinta ou sofra ou deseje, antes de tudo... me beije. É simples, é tudo o que penso, é isso. É tudo que desejo dizer: me beije.
Depois, vá, mas você terá me deixado uma brisa de afeto com gosto de poeira úmida.  

as curvas


as tendências da minha vida são discursos inteiros
palavras soltas, demagogia pura
Os amores da minha vida
apenas são amores da minha vida
porque eu disse que eram
amores da minha vida
A verdade é que a minha vontade me quer lá
quando ainda não estou nem aqui
ela me quer só pra si
quando não me tenho nem pra mim
ela me espera um gesto espontâneo mas a sua espontaneidade... é a minha
É mais ou menos assim...
Finjo ser poeta pra dizer-me todo,
falar o mundo sem medo
porque no fundo sei que me lerão
mas desconfio
que dificilmente me entenderão
Que de verdade, de verdade, então, apenas isso, de repente uma explicação,
se me entenderem
não gostarão
Jamais.
E terei que conviver
com esse
não.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

geografias


um momento raro das peles juntas escuras ou claras
nossas peles são raras como o deserto:
extremas
e por isso mesmo
inóspitas

é a lembrança que morde a pele

chove 
e do céu caem versos desconexos
eles tocam teu rosto e viram sonetos
sexos de veias pluviais
as gotas da chuva são palavras ricas
brilham sozinhas e iluminam juntas
escapam da pele tua
e criam figuras de linguagem
uma linguagem nua

(não sei olhar pro sol sem ferir os olhos
mas eu prefiro encarar o sol)



o espinho e a rosa

era tudo mentira
todos os sonhos
as purezas
histórias sobre o tempo
a lua mentirosa e vaga e translúcida
era tudo falso

quando o céu da tua boca
se encostou no calor sutil da língua minha
que caminha sofregamente
por entre algas e almas e palmas de auditório
quando
o céu
da tua boca limpa e calma e bela e serena
nasceu em meus nervos e angústias
caminhei
pelo prazer do beijo

mas era tudo mentira
nem era desejo
nem houve um beijo

verdades não existem

retenho todo meu carinho
em meu silêncio antiprosa

de quem te observa assim
retraído:
um espinho à procura de uma rosa