segunda-feira, 11 de junho de 2012

LONGA HISTÓRIA DE UMA CRIANÇA

Era uma criança. Tinha dois dentes, quatro anos, seis pilhas gastas, um pedaço de pau, pequeno como sua mão e todo resto de seu corpozim. Tinha um só pai, a mãe, nenhum avô, uma avó. E tinha três moedas de centavos num xorte* surrado que usava pra jogar futebol na rua, na terra, no esgoto, no sol e na chuva; usava o xorte pra dormir na rede num barraco azul, junto com uma tia, a irmã de dois anos e o primo de seis. Era uma criança. Corria atrás da bola, do pai, que fugiu da polícia depois de uma briga numa construção. O pai é de obras. Irrita fácil. A criança corria atrás da mãe, ajudando a carregar sacolas, cheias de nada, nada que alguém quisesse usar; corria dos seguranças dos restaurantes que ele teimava em entrar, corria dos vizinhos de cima que queriam bater nele - meninada ruim - só porque ele xingou a mãe de um deles de panela azeda. Era uma criança. O nome, não importa. Era o moleque, o pequeno, o safadim, menino, ô, vem-cá, ei!, coisa-ruim, ou, vai-embora-daqui. 
Era isso. Era um vai-embora-daqui.
E foi. 



*xorte = forma aportuguesada de short

Nenhum comentário:

Postar um comentário

perguntar ofende, sim, mas e daí? pode escrever, comentar, perguntar, responder...