quarta-feira, 20 de junho de 2012

3 – o encontro no bonde (do meu conto Pátria Amada - parte 1 - A Rosa)

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(...)
Depois do enterro, resolvi passear de bonde. Dei muitas voltas na cidade, de norte a sul, no centro... Os meus tios queriam internar minha mãe, por um tempo, no hospital psiquiátrico Pedro II, no bairro do Engenho de Dentro. Principalmente minha tia Maria de Lourdes, que não via com bons olhos a idéia de ficar cuidando de minha mãe. Ela até já arrumara outro lugar pra morar, com uma sobrinha que acabara de casar com um advogado e se mudara pro Leme. Eu sabia que teria de trabalhar o dobro do que trabalhava pra nos sustentar – a mim e a minha mãe - porque eu seria o único a nos sustentar e não teria como tomar conta dela. Então não relutei sobre a idéia de mamãe ser internada. Mas sairei do Méier. Vou pra Engenho de Dentro. Pra ficar mais perto de mamãe, e porque apareceu um emprego bom nas oficinas de manutenção da rede ferroviária federal. Continuarei fazendo trabalho de mecânico de carros, mas sairei da oficina do Mestre e só farei trabalhos avulsos, por encomenda. Como nos fins de semana eu já freqüento as rodas de chorinho do mestre Pixinguinha, lá no Engenho, então ficarei por lá mesmo. A única coisa que me trazia felicidade era ouvir a música Rosa. Por isso eu só era feliz nos fins de semana. Mas eu tive um momento feliz fora das rodas. E graças a uma daquelas coincidências inenarráveis. Quando já me sentia cansado de passear de bonde, depois do enterro do meu irmão Mário, resolvi voltar pra casa. Eu estava no centro do Rio - garoenta naquele fatídico dia 21 de abril. Aí, sentei-me ao lado de uma moça incrível.
- Com licença, senhora, posso sentar-me – falei sem olhar no rosto da mulher, tal absorto estava eu em meus pensamentos melancólicos.
- Claro, moço, mas, por favor, não sou senhora, sou muito nova ainda para carregar este fardo.
- E porque seria um fardo ser uma senhora, minha donzela? – retruquei, espantosamente brincalhão.
- Agradeço o donzela, embora tenha percebido a pilhéria, mas como sei que sou donzela, não treplicarei. Sobre o fardo, é simples. As senhoras são senhoras por serem casadas, e se eu me parecer com uma senhora casada então é melhor me jogar na Lagoa Rodrigo de Freitas.
Que espirituosa !! Eu não podia ver-lhe o rosto, porque estava encoberto por um véu.
- Creio que este véu me confundiu, senhorita.
- Não duvido. Minha mãe insiste que eu o use mesmo depois de sairmos da Igreja.
- Onde está sua mãe?
- Em casa. Eu vim ao confessionário falar com o padre Marques, amigo da família. Minha mãe confia em mim pra andar sozinha. Eu já o fazia para ir à escola.
- Compreendo. Qual sua idade?
- O moço é indiscreto, mas gosto de gente direta. Tenho quinze incompletos. Meu aniversário será no dia dezenove de maio.
- Oh, mês que vem !... E se eu lhe dissesse que faço dezessete no dia seguinte ao seu.
- Eu responderia que é uma coincidência das mais incríveis.
- Pois é a mais pura verdade.
- Acredito. Vê-se que é honesto porque diz tudo olhando nos olhos.
- Acho que mereço uma recompensa por isso, não acha?
- E por quê? O senhor não tem espírito altruísta? Precisa sempre de uma recompensa para fazer algo?
- Não me entenda mal. Como disse, eu gosto de olhar nos olhos, mas isso é algo que não posso fazer com a senhorita por culpa do véu. Assim, o elogio que me acaba de fazer perde o sentido se a senhorita continuar com o véu encobrindo o rosto.
- Tem razão. Está perdoado. Normalmente não o uso, mas desde que meu pai morreu, mamãe tornou-se religiosa ao extremo... Oh, preciso descer. Condutor, diga ao motorneiro que espere, estou descendo.
- Moça, moça, e o véu? – gritei ansioso
E ela, já na calçada, levantou o véu, e pude ver o sorriso mais angelical, puro e vivo do mundo. Uns olhos intensos, brilhantes. Era ela. Minha musa. Mais velha, mais linda, mais...
- Qual seu nooommee???
O último som das coincidências:
- Meu nome é Rosa.
Claro, e por que não seria...    

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